Entre rupturas e recomeços, o cantor independente transforma vivências em música e desafia os algoritmos com afeto e presença.
Por Marina de Sá
Quando o talento encontra a oportunidade, ele floresce. O desabrochar de Herley Nunes como multiartista – cantor, compositor e performer – aconteceu em camadas. Sua primeira oportunidade foi a mesma que acolheu muitos artistas deste país, de Anitta a Marília Mendonça: a igreja evangélica. “Me lembro que assim que vi aquele coral cantando, me apaixonei. O interesse em entrar para a igreja foi justamente por conta dessa coisa musical”, diz. Por muitos anos, a igreja foi sua escola e seu palco. Ele compôs e produziu inúmeras músicas gospel, até que chegou o momento de se redescobrir.
“Com o tempo eu fui me percebendo enquanto uma pessoa LGBT. E isso foi me fazendo me desvincular um pouco da igreja, devido aos vários tabus em relação à sexualidade”, relembra o músico. O mergulho profundo em si trouxe também um hiato na música, e a voz que antes ecoava se silenciou – mas não por muito tempo. Herley retornou à criação mais forte e seguro de si, após realizar um mochilão que começou na Bahia, passou por outros estados do Brasil, e terminou com sua mudança definitiva para Salvador. E como uma rosa que se abre aos poucos, ele se revelou em mais uma camada: o EP Desertor, que narra sua trajetória de saída da igreja e sua busca por autoconhecimento. Lançado em julho de 2024, o projeto reúne “escrevivências” de Herley e funciona como um cartão de visitas artístico e emocional.
Quase um ano após o lançamento do seu EP de estreia, o músico se encontra em uma fase mais leve – e mais feliz. “Agora eu lancei Calor da Bahia, que é uma música mais alegre. Tenho sentido que esse processo de falar de coisas muito densas que aconteceram comigo tem passado, e tem chegado um movimento mais leve”, observa. E esse florescer, visível a olhos atentos, revela um artista independente que vem conquistando espaços, teatros e ouvidos baianos – e já planeja expandir sua presença para outras regiões do Brasil.
A musicalidade de Herley, influenciada por nomes como Liniker, Melly, Tulipa Ruiz e Mariene de Castro, me encantou desde o primeiro play em Calma, seu single lançado em 2023. E o curioso é que esse achado aconteceu, antes de tudo, cara a cara, quando nos hospedamos no mesmo lugar durante sua primeira passagem por Salvador. E se esse encontro não tivesse acontecido? O algoritmo me levaria até a arte de Herley?
“E se o Spotify não tivesse números de streams, o que estaríamos ouvindo? E se não tivesse essa coisa de Top 100, Top 50, o que todas as pessoas estariam ouvindo?”, Herley refletiu.
Mais de uma década atrás, eu visitava com frequência um site chamado Musicoteca, que funcionava como uma biblioteca digital da nova MPB. Minha paixão por esse gênero musical nasceu ali, na adolescência, e o prazer de descobrir álbuns e artistas que quase ninguém conhecia era inenarrável. Foi assim que meus ouvidos chegaram a Castello Branco, Rubel e 5 a Seco – nomes que até hoje ganham meu fone e meu coração. Na Musicoteca, era possível baixar álbuns completos, numa época sem Spotify e sem algoritmos. Hoje, mesmo com alguma sorte nos meus “Descobertas da Semana”, sigo buscando musicalidades fora da bolha. Mas e você? Já parou pra pensar onde os algoritmos do seu app de música estão te levando?
Seus ouvidos podem estar perdendo a chance de testemunhar o florescer de artistas como Herley Nunes – que cantam, com coragem e beleza, a própria reinvenção. Por isso, esta é a primeira edição de Além do Stream: artistas que você precisa ouvir e que o algoritmo não vai te mostrar, mas a ªMIRA sim.