A ex-bancária trocou a estabilidade financeira pela leveza dos vinhos artesanais – e agora leva sua curadoria do Brasil à França.
Por Marina de Sá
Em um espaço aconchegante na Vila Madalena, em São Paulo, os amantes de vinho se reúnem para apreciar rótulos originados em pequenas produtoras mundo afora. O lugar, Les Vignobles de Demain, é liderado pela paulistana Ligia Aleixo. Mais do que sommelier e cofundadora da marca franco-brasileira, ela é uma mulher em constante movimento, guiada pela curiosidade e pelo desejo de transformar o modo como experienciamos o vinho. E como boa curiosa que também sou, precisei ouvir sua história mais de perto.
O fato é que a maioria da população brasileira está habituada a beber vinho suave e apenas em ocasiões especiais. Ligia era uma dessas pessoas, mas foi ainda na adolescência que foi arrebatada pela curiosidade de conhecer mais sobre o mundo dos vinhos. Uma amiga lhe apresentou diferentes rótulos, com explicações detalhadas, e ela só conseguia pensar: como uma bebida engarrafada podia carregar tanta informação? E como sua amiga sabia tudo aquilo?
Formada em Administração e com MBA em Gestão Financeira, Ligia construiu carreira no mercado financeiro, onde atuou por 14 anos. Na pandemia, buscou válvulas de escape para cuidar da saúde física e mental. Fez diversos cursos, de tricô ao manejo de plantas, até que decidiu aprender mais sobre o universo dos vinhos, a fim de encarar de frente a sua antiga inquietação. “O vinho que a gente tem o costume de ver é só a ponta do iceberg, porque tudo que acontece antes dele chegar na prateleira é muito mágico”, diz.
Explorando um maravilhoso mundo novo
No fim das contas, a paixão de Ligia pelo universo do vinho extrapolou o que era para ser apenas uma válvula de escape e se tornou sua profissão. Ela pediu demissão do banco e embarcou no empreendedorismo. “Acho que a gente é condicionado a entrar numa empresa e ficar até o final por conta da estabilidade financeira. Mas também acredito que é uma cultura vendida para nos prender àquele mundinho, sem crescer e consumir o que o mundo tem à disposição”, comenta. E não foi apenas das amarras da “estabilidade financeira” que ela se libertou. Pouco antes de pedir demissão, Ligia já havia iniciado sua jornada de explorar o mundo.
Em 2019, realizou sua primeira viagem internacional, incentivada por amigas. Nunca havia se permitido investir em algo assim, pois acreditava que não era acessível: “A gente nunca foi ensinado a poder estar em lugares assim”, relembra. Foi colocando na ponta do lápis seus gastos e investimentos que percebeu que poderia ter tido essa experiência muito antes. “Eu tinha acabado de me separar e aí deu aquela sensação de tipo: agora eu tô vivendo para mim, eu preciso viver para mim”, conta. E decidiu: “Vou para Paris, por que não?”. Embarcou, então, para a França em uma profunda jornada de autoconhecimento.
“Quando eu voltei, falei pros meus primos: todo mundo tem que viajar. Não é uma opção, não é só lazer – é cultural. É poder entender o que tem além daquilo que a gente acredita que existe, do que nos é passado nas relações e nas convivências. Todo mundo tem que viajar”, declarou, após abrir seus olhos para um mundo novo.
Conectando a simplicidade da cultura francesa em relação ao vinho – em contraste com o glamour muitas vezes associado a ele no Brasil – com o curso de sommelier que realizou pouco depois, decidiu empreender junto com um sócio. Nasceu então, em 2022, a Les Vignobles de Demain, marca franco-brasileira especializada na venda de vinhos e destilados originados de pequenas produtoras ao redor do mundo.
Um novo passo para o futuro
A loja física onde conheci Ligia deixará de existir. A França roubou seu coração de tal forma que a sommelier está de mudança marcada e vai para o país europeu explorar histórias, vinícolas e culturas. “Quando abri a loja, queria ter viajado mais, conhecido mais produtores, ter mais possibilidades de estar ausente, fazer mais negócios com outros parceiros. E eu não pude, porque a casa consome bastante. Infelizmente, nesse mercado, os profissionais são bem escassos”, reflete.
A loja online, com a seleção minuciosa de vinhos de pequenos produtores do Brasil e do mundo, continuará ativa. Em breve, Ligia também irá promover vivências para brasileiros na França, com experiências de turismo que fogem do roteiro mais tradicional – Paris. A sommelier organizará essas vivências em casas de diferentes regiões do país, com pratos especiais e harmonizações. O modelo de negócio também será aplicado no Brasil, já que ela pretende passar temporadas nos dois países.
Ligia Aleixo está de malas prontas, mas não parte sozinha. Leva consigo um propósito fermentado com tempo, sensibilidade e ousadia: mostrar que o vinho é mais do que uma bebida – é memória, encontro e descoberta. Da França ao Brasil, ela seguirá abrindo garrafas e caminhos, sem jamais engarrafar seus sonhos.
DICA DA SOMMELIER
Para iniciantes, vinhos portugueses são uma ótima pedida por terem uma fruta mais presente e serem mais fáceis de tomar. Os vinhos rosés de uvas leves (como Pinot Noir) e vinhos laranja também são opções acessíveis ao paladar brasileiro.
Les Vignobles De Demain tem um rótulo nacional produzido pela vinícola gaúcha Valparaíso, que se destaca pela colheita manual em uma produção orgânica, vegana e natural, que utiliza uvas italianas para maior sutileza. Para quem deseja conhecer um vinho específico de sua loja, ela recomenda o rótulo próprio “Torrontés”.
