Mirando Alto com Flávia Lisboa Porto, a C-level de RH que traduz experiência em lições que diploma nenhum ensina

Diretora de Recursos Humanos com passagens por grandes empresas, Flávia fala sobre sua trajetória e o papel do RH na construção de futuros possíveis.

Por Marina de Sá

A primeira vez que vi Flávia Lisboa Porto foi na minha casa de fé. Observei aquela mulher alta, bonita, de cabelos assumidamente grisalhos e me identifiquei. De certa forma, olhei para ela e pensei “quero ser assim quando crescer”. E não foi só a sua beleza que me chamou atenção, mas a forma como ela se comunicava, com aquela postura de quem ocupa todo e qualquer lugar. Não por acaso, sua mãe a ensinou que ela poderia, de fato, ocupar o lugar que quisesse – como me contou. 

A sua escalada até chegar à diretoria de uma grande empresa levou quase três décadas. Para uma mulher preta, cria do Jardim Umarizal, Zona Sul de São Paulo, não foi uma tarefa fácil. Aos 15 anos de idade, conheceu o universo dos Recursos Humanos. “Não escolhi o RH, o RH que me escolheu”, brincou. Ela iniciou sua trajetória profissional analisando currículos, naquele que era o seu primeiro emprego de carteira assinada, como jovem aprendiz. O desejo de seguir na área persistiu e ela cursou Psicologia. E assim, alguém que não teve uma referência preta no mundo corporativo em que pudesse se espelhar, declarou: “Se eu não tenho inspiração para mim, eu vou ser isso para os outros”, e escancarou todas as portas que pôde tocar.

O despertar sobre o papel do RH na economia e nas periferias não demorou a acontecer: “Se você não espalha oportunidades, a renda fica concentrada”, afirmou. E desse ímpeto por mudanças nasceu o propósito de Flávia, ligado à questão racial e à redução das desigualdades. Além de c-level de Recursos Humanos, com passagens por empresas como Yara, Credicard, EY, Dell e Reckitt, ela é membro do conselho consultivo da United Way Brasil, bem como cofundadora e conselheira do Instituto Pactuá, um grupo formado por executivos negros que tem como objetivo acelerar a inclusão de talentos negros, potencializando a ascensão nas empresas.

De autorregulação a networking: os aprendizados de toda uma vida

 

Autoconhecimento não é poder, e, sim, autorregulação, segundo Flávia. “É preciso saber o momento certo de falar. A ansiedade, por exemplo, às vezes pode ajudar com um problema crítico. Não há característica boa ou ruim, o que existe é como se regular e usar pontos bons e ruins para alavancar a carreira. É a capacidade de se adaptar a novos cenários, sabendo quando recrutar determinadas características para o ambiente”, exemplifica. 

“Todo mundo tem direito de ser até mesmo um babaca, mas o que você vai fazer com isso?”

E esta não foi a única lição aprendida pela executiva durante seus quase trinta anos de carreira. Enquanto única negra na maioria dos espaços que ocupou, passou a se adaptar e aprender com as diferenças ao invés de se isolar. “Quando você vai num lugar que as pessoas são muito diferentes de você em estilo de vida, repertório, conhecimento e tudo mais, você não pode se fechar na sua bolha, tem que procurar aprender com essas diferenças”, destacou. Flávia desenvolveu a habilidade de se misturar e se conectar, algo que vai muito além do tão falado “networking”. 

Ela conta que, em sua trajetória profissional, sempre buscou se cercar de pessoas melhores do que ela – outra lição dada pela sua mãe. “Eu não tinha muito medo de competitividade, pelo contrário, eu tinha medo de eu ser a pessoa que sabia mais no lugar. A minha mãe sempre falava assim: ‘Filha, ande com gente melhor porque elas vão te puxar e se você for a melhor do lugar, você que vai puxar as pessoas’”, relembra. Foi somente quando começou a praticar corrida que teve o grande momento eureca e, de fato, compreendeu a fala da mãe. Ela começou no esporte por incentivo de um colega de trabalho que era muito bom e reparou que quanto mais ela corria na companhia dele, melhor era o seu tempo e desempenho. “Reconheça pessoas que são boas e grude nelas que você vai crescer também”, refletiu.

Nos bastidores do RH

Neste ano, Flávia esteve no South by Southwest, mais conhecido como SXSW, em Austin, nos Estados Unidos, um dos maiores eventos de tecnologia, música, inovação e cultura do mundo. Com seu olhar voltado para o desenvolvimento do RH, a executiva analisou os temas abordados e fez um balanço final sobre o futuro da área com grande preocupação com a liderança na era da intergeracionalidade complexa e da ascensão da inteligência artificial. “A liderança, além de gerenciar pessoas de tantas gerações diferentes, tem que liderar os agentes de inteligência artificial”, pontua. A colaboração entre inteligência humana e artificial é essencial, e quem souber usar a IA a seu favor terá destaque.

E para aqueles que têm curiosidade em saber as dores e delícias enfrentadas pelo RH, ou talvez até mesmo tenham interesse em seguir carreira na área, vale lembrar que “No RH você é palco e plateia”, como destaca Flávia. “Precisa de um olhar humanizado, mas não pode tirar o olho do negócio”, ressaltou. Profissionais de RH precisam estar preparados para serem “amados e odiados” simultaneamente, lidando com temas e decisões difíceis, bem como com informações sigilosas e pontos delicados.

Por fim, ela aconselha: “O mercado não vai valorizar mais só o especialista ou o generalista. Você tem que ser generalista-criativo, tem que ser generalista sobre tudo e ter a habilidade de aprender sobre tudo”. A executiva destaca a importância em se dispor a trabalhar em atividades e papéis que ainda não tem experiência para que ganhe repertório e possa trabalhar em projetos diferentes. E, se você está em um momento de recomeço ou transição de carreira, não desanime! “Ninguém nunca começa do zero”, ressalta. Cada um carrega na mochila habilidades e fortalezas, e por isso o autoconhecimento é fundamental no processo, pois “conhecer as ferramentas que estão na sua mochila, te ajudam a vender quem você é”, conclui.

DICA DE LEITURA

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Por que algumas pessoas e organizações inspiram mais do que outras? Neste best-seller, Simon Sinek mostra que líderes realmente influentes começam pelo “porquê” — um propósito claro que move pessoas, cria lealdade e transforma ideias em grandes movimentos.

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